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A Mosca (David Cronenberg, 1986)



“ - What am I working on? I’m working on something that will change the world."


Você é promissor, sua família lhe ama, sua namorada(o) gosta mesmo de você e até seu cachorro lhe adora. Você é um fracasso, uma tragédia existencial que arrastou todos aqueles que lhe amavam à um vórtice autodestrutivo de desgraça e paranóia, até seu cachorro.

O que filme do Cronenberg une estes dois estados, o apogeu e a decadência. E o diretor canadense faz isso de forma magistral, presenteando o público com belas(?) imagens da metamorfose de um homem, num homem-mosca. Imagens que certamente ficarão impressas na memória não só dos entusiastas desse filme, como na dos que compreensivelmente desenvolveram uma ojeriza à Mosca. Isso graças ao trabalho fantástico desenvolvido pela equipe de maquiagem e direção artística do filme, que nos agracia com fluidos corporais, macacos babuínos virados ao avesso, bebês-larva(!) e afins.

Têm-se, então, um espetáculo anunciado para os apreciadores dos Filmes B.
Contudo, é como dizem por aí: “Nem só de Gore viverá o homem”. Você, seu doente, pode discordar disso, ok... tudo bem. É, tudo bem mesmo, sério.

“ - I think it turned the baboon inside out.”
Temos, então, um cientista, uma jornalista e o editor de uma revista científica, o triângulo amoroso sobre o qual o filme está apoiado. O cientista está desenvolvendo a tecnologia do teletransporte, a jornalista quer tirar disso uma boa matéria, e o editor... a jornalista dera um pé na bunda dele. Vejam, meus caros, isso é o plot de um drama romântico. Não seria esse o gênero ao qual este filme pertence? Não seriam a ficção científica e o horror, gêneros em que o Cronenberg se refugia, para trazer à tona sua sensibilidade enquanto alguém atento às angústias que permeiam as relações pessoais? Reflita.

Através de um roteiro gregamente trágico, o mestre opta por não desenvolver isoladamente os vértices desse triângulo, mas é no desenvolvimento do relacionamento em si que se vê incrustado o desenvolvimento do próprio cientista, que é no que o filme consiste no fim das contas. Mas o que representa a mosca que entra no telepod? Antes de tentarmos responder a essa pergunta, questionemo-nos sobre o que é o cientista.

Arrisco responder que o cientista é o indivíduo promissor, talvez aquele moço da primeira oração do texto, o que diz estar trabalhando em algo que vai mudar o mundo. Ele é o homem que acredita no próprio potencial, conhece-o, além do mais. Ele sabe que pode ir mais longe, que pode saber mais, oferecer mais, ser melhor. Apesar de que já está tudo muito bem ajeitado em sua vida, desde que ele obteve êxito em teletransportar objetos. Ou seja, ele poderia patentear esse negócio, se tornando o cara que tornou possível o que só pertencia aos universos da literatura, cinema e HQs. Havia também alguém que se importava com ele, trata-se de um belo romance com a Geena Davis. Mas, como já foi sugerido, conto sobre um homem com certa ambição aqui.

“- Bzzzz.”
Acontece que a Geena Davis ainda trabalha lá para o ex-namorado dela e etc, enfim... tem que ficar o tempo todo lá e cá. Dá um pulo no laboratório, outro no escritório do editor. Esse vai lá, vem cá, deixa nosso amigo Jeff Goldblum cientista, meio encucado. Mas nós sabemos, senhores, que não está rolando nenhum tipo de relação entre a jornalista e seu ex-namorado/editor-chefe, que não seja puramente profissional.

Aí que entra a mosca, e ela entra num momento em que o cientista está desatento, embriagado. Ela chega como chegam os ciúmes, despercebidamente. Mas está tudo sobre controle, é só uma mosca, é só um pouco de rancor, é só um pouco de ciúmes, é só um tapa, é só uma transa, é só uma mentira, e está tudo sobre controle. ;)

“ - I’m not Seth Brundle anymore.”
Agora é com vocês, amiguinhos. O que acontece quando a gente busca uma coisa, mas a busca da maneira errada? Querendo queimar etapas, querendo tudo de uma só vez. O que acontece quando alimentamos, mesmo sem ter noção disso, a ansiedade, ou o rancor, ou a noção de que podemos fazer tudo, de que não há limites? Há limites. E chega um momento em que o cientista se dá conta disso. Olha para si mesmo, vê o quanto está influenciando negativamente as pessoas ao seu redor e o quanto está machucando quem mais se importa com ele. A dor de sua companheira, é a mesma dor que sente alguém que te ama, quando você começa a fazer besteira com sua própria vida. Seria isso o que vemos em tela?

“ - I’m an insect who dreamt he was a man, and he loved it. But now the dream is over, and the insect is awake.”


Sobre as perguntas que foram surgindo ao longo do texto, não cabe ao filme respondê-las, mas suscitá-las. Aliás, o mestre não pretende esclarecer coisa alguma através de sua obra. O que ele realiza aqui, e o realiza com destreza, é denunciar este imbróglio psicológico. Parece um filme, mas é um aviso. Parece feio, mas é um conselho. É chamar à atenção para que não nos tornemos monstros, para que nos preservemos, e nos preservando, protejamos àqueles que se importam conosco. Pode parecer bobagem, mas não é.

“Tentamos ser mais do que somos por natureza, e matamos qualquer coisa em nós, e nos tornamos muito menos do que éramos.”

Contraponto - Aldous Huxley

Sinopse
O ator Jeff Goldblum interpreta um cientista que acidentalmente se funde a uma mosca doméstica ao conduzir uma experiência de teletransporte. Uma jornalista (Geena Davis), que se apaixonou por ele ao fazer uma reportagem sobre suas descobertas científicas, acaba se envolvendo com uma horrenda criatura cuja aparência de inseto gradualmente passa a ser predominante.


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